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sexta-feira, 25 de julho de 2014

A Reforma do Pensamento

A lagarta, envolta pela crisálida, começa por destruir seu organismo de larva, à exceção de seu sistema nervoso.
Esse trabalho de autodestruição é, ao mesmo tempo, um trabalho de criação de onde emerge um novo ser, outro, e entretanto, com a mesma identidade.

Ao final da metamorfose aparece a borboleta, de início paralisada, entorpecida...até que, subitamente, ela estende suas asas e alça voo...
Destruir velhas estruturas de pensamento e criar um novo modo de pensar...eis nosso desafio para o século XXI...


quarta-feira, 5 de março de 2014

DOS ABSURDOS QUE SÃO COMPARTILHADOS NA REDE:

Analisei se valeria a postagem. Primeiro porque estaria dando visibilidade a argumentos tão perversos; segundo porque corro o risco de não lerem meu contraponto, com isto não problematizando o dito.

Porém, não resisti. Meu compromisso com a construção de uma educação pública de qualidade social não me permite calar perante tamanho absurdo!



O tema da Avaliação, em específico neste post, da progressão continuada, está gerando nos últimos tempos, no campo da educação, muitos debates. Esse seja talvez o elemento fundamental: promover o debate, a reflexão e, sobretudo a possibilidade de aprofundamento sobre as concepções de educação que defendemos.
A pergunta que creio ser principal, embora já posta exaustivamente, é:
Qual a função social da escola?
Sem exceções, as escolas, nos seus documentos (Projeto Político-Pedagógico, Regimentos, Planos de Estudos...) descrevem como Filosofia, resumidamente, a formação de sujeitos críticos e autônomos capazes de interferirem na realidade.
Pois bem, cremos que para tamanha tarefa, o ambiente escolar seja o espaço destinado à APRENDIZAGEM, à construção de conhecimentos. Um desses espaços “sagrados” que jamais serão substituídos por outro “templo”...
Mas fico a me perguntar:
Por que então passamos a ideia de que a escola é lugar para avaliar de forma classificatória? “Comporte-se, você está sendo avaliado!” Sim, comporte-se! Porque a disciplina, a domesticação do corpo [e da mente] é central neste processo. É a primeira etapa desta fábrica chamada escola, é a seleção dos “comportados/esforçados” e dos “bagunceiros/os que não fazem nada”. Segunda etapa: selecionar os capazes e os não capazes de assimilação/repetição. E aí então, a avaliação [o instrumento do poder] servirá de punição, visto que dentro desta perspectiva o fracasso é exclusiva responsabilidade do aluno [teorias do séc. XVIII].
Por que damos ênfase ao que o estudante será capaz de “devolver”, com os mesmos pontos, vírgulas e termos, aquilo que lhes transmitimos? Cultuamos o conteúdo, não o conhecimento!
Mas pior mesmo é cultuar a lógica competitiva e excludente que o sistema capitalista imprime nesta sociedade. Há algo mais perverso que afirmar que o processo educativo deve seguir esta lógica? Há algo mais insano do que argumentar que a escola deve dar “exemplo à dura vida em sociedade”, ou que é a competição que “motiva” a aprendizagem????

Para título de analogia: “se a escola boa, ou ensino bom é o que reprova, o bom hospital seria o que mata?”

É URGENTE A DESNATURALIZAÇÃO DA REPROVAÇÃO/EXCLUSÃO!

Criticar a Progressão Continuada, um dispositivo garantido na legislação educacional vigente, dando-lhe o sinônimo de “automática” é desqualificar a intervenção pedagógica dos profissionais em educação. Pois, o ensino e a aprendizagem são elementos de um mesmo processo, e a avaliação está presente permanentemente com a função de reorientar as práticas educativas, ou seja, deve ser diagnóstica, para que a aprendizagem seja realidade para todos! Professores e estudantes são sujeitos ativos na ação de aprender, na qual a pesquisa é o princípio metodológico que nos proporciona a construção de conhecimentos.
Que a escola realmente não seja depósito, muito menos fábrica!!! Mas que seja, sobretudo, o lugar onde as relações estejam pautadas na humanização, que as práticas contribuam para a formação de consciências críticas e sujeitos capazes de interferirem, com conhecimento, na realidade que nos circunda!!!



quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Avaliação Institucional e Avaliação da Aprendizagem: outros olhares

Alexandra Amaral da Silva


Este texto busca refletir sobre a Avaliação no contexto educacional, abordando duas dimensões dos processos avaliativos, que são: a Avaliação Institucional e a Avaliação da Aprendizagem.  Focaremos nossas reflexões em duas políticas que estão norteando as mudanças no Sistema de Ensino do Rio Grande do Sul, que são: o SEAP- Sistema Estadual de Avaliação Participativa e a Avaliação Emancipatória, um dos princípios norteadores da Reestruturação Curricular do Ensino Médio.
Apresentaremos os marcos conceituais e legais que sustentam as propostas, bem como os elementos comuns desta concepção que se pretende ser articuladora de um projeto de educação que supere a ideia excludente e fragmentada que ainda está presente nos ambientes escolares. Como a avaliação institucional contribui para a mudança de concepção em relação à avaliação da aprendizagem? Será a problemática a ser refletida.

Avaliação Institucional: o caminho percorrido.

O Sistema Estadual de Avaliação Participativa – SEAP/RS foi instituído pela Gestão da Secretaria Estadual, por meio do Decreto nº 48.744, de 28 de dezembro de 2011; o qual através de uma plataforma se apresenta com seis dimensões, cinquenta indicadores e respectivos descritores, para que as escolas, CREs- Coordenadorias Regionais de Educação e SEDUC- Secretaria Estadual de Educação realizem, anualmente, reflexão e análise das ações e condições desenvolvidas para a garantia do processo de ensino-aprendizagem na Rede de Ensino.
O SEAP é também uma exigência legal, ou seja, a Resolução nº 4/2010 do Conselho Nacional de Educação (CNE), a qual estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, no inciso II do art. 46, trata especificamente da avaliação no ambiente educacional:
Art. 46. A avaliação no ambiente educacional Compreende 3 (três) dimensões básicas:
I - avaliação da aprendizagem;
II - avaliação institucional interna e externa;
III - avaliação de redes de Educação Básica.


A mesma resolução em artigos posteriores detalha:
Art. 52.  A avaliação institucional interna deve ser prevista no projeto político-pedagógico e detalhada no plano de gestão, realizada anualmente, levando em consideração as orientações contidas na regulamentação vigente, para rever o conjunto de objetivos e metas a serem concretizados, mediante ação dos diversos segmentos da comunidade educativa, o que pressupõe delimitação de indicadores compatíveis com a missão da escola, além de clareza quanto ao que seja qualidade social da aprendizagem e da escola.
Seção IV
Avaliação de redes de Educação Básica
Art. 53. A avaliação de redes de Educação Básica ocorre periodicamente, é realizada por órgãos externos à escola e engloba os resultados da avaliação institucional, sendo que os resultados dessa avaliação sinalizam para a sociedade se a escola apresenta qualidade suficiente para continuar funcionando como está.



Sendo assim o que observávamos até então é que na rede de ensino estadual havia somente a avaliação externa, a qual se utiliza de instrumento padronizado a ser aplicado junto aos alunos, verificando suas aprendizagens e aferindo resultados a todo um sistema de ensino. Foi contrariando esta lógica que o SEAP foi implantado, no documento orientador diz que:
Implantar o SEAP [...] significa concretizar um processo que reafirma a avaliação como um instrumento importante para explicitar o processos internos que ocorrem em cada instância, como o objetivo de diagnosticar quali e quantitativamente a Rede Estadual de Ensino e qualificar a gestão, aprofundando o controle público com inovação, participação e transversalidade.


As dimensões que constituem o instrumento são: Gestão Institucional, Espaço Físico da Instituição, Organização e Ambiente de Trabalho, Políticas de Acesso, Permanência e Sucesso na Escola, Formação dos Profissionais e Práticas Pedagógicas. Os indicadores são adequados em relação ao âmbito, ou seja, são diferenciados para a escola, CRE e SEDUC.
Um dos elementos significativos deste processo é a participação, ou seja, todos os segmentos da comunidade escolar são convidados a contribuírem nesta vivência, o que a nosso ver, fortalece o que há muito se tem teorizado e incentivado: a democratização da gestão. Esse compromisso coletivo é capaz de provocar uma reflexão e             análise do fazer pedagógico para reorganizar e ressignificar a prática escolar, estabelecendo novas ações que promovam uma cultura pedagógica comprometida com a aprendizagem de todos com qualidade social.
Sem a intenção de discutir cada uma das dimensões, ou analisar o instrumento propriamente dito, visto que cada uma proporcionaria no mínimo um artigo, consideramos relevante de forma sintética, expô-las, para situarmos o leitor na concepção que “suleia” a proposta, para com isto focarmos no problema de nossa reflexão: os elementos deste processo que desencadeiam outra concepção de avaliação da aprendizagem, uma vez que redimensiona o próprio Planejamento da Gestão e/ou o Projeto Político Pedagógico da Escola.
Nesta perspectiva, entendemos que o SEAP configura-se como uma avaliação qualitativa, segundo Pedro Demo:
O que está em jogo na avaliação qualitativa é principalmente a qualidade política, ou seja, a arte da comunidade autogerir-se, a criatividade cultural que demonstra em sua história e espera para o futuro, a capacidade de inventar seu espaço, forjando sua autodefinição, sua autodeterminação, sua autopromoção, dentro dos condicionamentos objetivos.

Com isto, queremos dizer que, uma avaliação participativa tem um caráter de tornar a instituição escolar cada vez mais comunitária, fazendo dos sujeitos que a constroem cidadãos críticos, ao mesmo tempo em que veem na instituição o espaço de concretizar projetos que podem e devem a transcender.

Avaliação Emancipatória
“Devemos lutar pela igualdade sempre que a diferença nos inferioriza, mas devemos lutar pela diferença sempre que a igualdade nos descaracteriza”
Boaventura de Souza Santos

A avaliação emancipatória, um dos princípios norteadores da Reestruturação Curricular do Ensino Médio do Rio Grande do Sul, configura-se como uma reafirmação de práticas democráticas em todas as instâncias e dimensões educacionais, uma vez que a aprendizagem destas práticas também ocorre neste processo de desenvolvimento humano que se dá no espaço escolar, aprendizagem indispensável para o exercício da cidadania. Carrega em sua essência o desejo de superar o viés positivista e classificatório das práticas avaliativas.
Partindo deste pressuposto podemos afirmar que existe em curso uma mudança de paradigma, ou seja, a avaliação escolar praticada desde o surgimento da sociedade industrial, a qual é tida como um instrumento autoritário do exercício do poder, que possui a função de controlar, classificar e selecionar; está sendo problematizada, questionada, visto que, comprovadamente, não contribui para a formação de sujeitos autônomos e críticos.
Porém, a complexidade que envolve esta temática merece reflexões acerca da gênese da escola, de sua função social, das condições subjetivas (valores, representações, preconceitos, visão de mundo) e objetivas (ritos, práticas, legislações) dos professores; somente este entendimento nos dará condições de superarmos a lógica simplista de apenas nos questionarmos sobre “como avaliar”.
Para promover uma avaliação emancipatória, necessitamos, sobretudo, nos questionarmos sobre a concepção de ensino e de aprendizagem que possuímos. Por isto, concordamos com Freire quando ele afirma que (...) ensinar não é transferir conhecimentos, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou sua construção.
Compreendendo esta premissa, passaremos a valorizar os processos e não os fins, ou seja, se nosso foco estiver centrado na construção de conhecimentos, a prática pedagógica não se limitará a “passar conteúdos” e ao final de um período constatar o quanto os alunos o assimilaram; ao contrário, nossa prática estará vinculada à apreensão de conceitos, nas diferentes áreas do conhecimento, necessários para intervir na realidade imediata, e a avaliação será parte contínua como instrumento diagnóstica e não classificatória.
Vale registrar o que a Resolução nº 4/2010 do CNE preconiza:
Art. 47. A avaliação da aprendizagem baseia-se na concepção de educação que norteia a relação professor-estudante-conhecimento-vida em movimento, devendo ser um ato reflexo de reconstrução da prática pedagógica avaliativa, premissa básica   e   fundamental  para   se questionar o educar, transformando a mudança em ato, acima de tudo, político.
§ 1º A validade da avaliação, na sua função diagnóstica, liga-se à aprendizagem, possibilitando o aprendiz a recriar, refazer o que aprendeu, criar,  propor e,  nesse contexto, aponta para uma avaliação global, que vai além do aspecto quantitativo, porque identifica o desenvolvimento   da   autonomia   do   estudante,   que   é   indissociavelmente   ético,   social, intelectual


Podemos observar que a legislação vigente no que tange a avaliação, contribui para as unidades escolares se empenharem em novas práticas, não só avaliativas, mas também, didático-metodológicas. Assim, é possível instituirmos nova ética na avaliação, priorizando a consciência crítica, a autocrítica, o autoconhecimento, investindo na autonomia, autoria, protagonismo e emancipação dos sujeitos - viabiliza ao educando apropriar-se do seu processo de aprendizagem e, ao professor e à escola, a análise aprofundada do processo dos alunos, oportuniza replanejamento e reorientação de atividades.

Uma prática avaliativa direcionada ao futuro, diferentemente, não tem por objetivo reunir informações para justificar ou explicar uma etapa da aprendizagem, mas para acompanhar com atenção e seriedade todas as etapas vividas pelo estudante para ajustar, no decorrer do todo o processo, estratégias pedagógicas. Visa, portanto, ao encaminhamento de alternativas de solução e melhoria do “objeto avaliado”. (HOFFMANN, 2009, p.20)

Revisitar nossas concepções de mundo, de homem, de processos é necessário na medida em que desejamos optar pela promoção do sujeito-estudante.

Os elementos da interseção
Ao pensar sobre a avaliação institucional e a avaliação da aprendizagem e de que forma a primeira influencia na segunda, fomos conduzido a estabelecer os elementos comuns destas duas dimensões dos processos avaliativos.
Seguindo o raciocínio de que a avaliação é parte do nosso pensar a atividade humana, e que se constitui como um processo intencional, no qual as diversas ciências auxiliam, ela se aplica a qualquer prática. Logo, a aprendizagem encontra-se neste núcleo comum, assim como o (re) planejamento constante.
Suscintamente, afirmamos que refletir é também avaliar, e avaliar é também planejar, estabelecer objetivos, metas, critérios que estejam sempre subordinados às finalidades e objetivos previamente estabelecidos para qualquer prática, seja ela educativa, social, política ou outra.
A qualidade da educação pública, em especial, será alcançada na medida em que a participação seja também o elemento central de uma avaliação que se deseja qualitativa, haja vista que é “fazendo que se aprende”, e aprendendo, redimensionamos nossas próximas práticas.
Estamos convencidos de que desencadear na rede de ensino uma nova cultura de compartilhamento de visões através do SEAP, terá desdobramentos na concepção que todos, sejam educadores/professores ou não, obterão do que é e para quê se avalia. Significa inverter o foco, que antes estava voltado à negação/exclusão/reprovação, para a possibilidade/inclusão/promoção/qualificação.

Parece-nos que há um consenso neste movimento, a educação precisa de mudanças profundas, pois está comprovado a falibilidade das práticas avaliativas tradicionais e conservadoras. Portanto, mesmo permeado de contradições, o processo de mudança desencadeado pela gestão do sistema de ensino, quando propõe a problematização da concepção de avaliação e constrói instrumentos próprios, realiza uma reestruturação de “relevância histórica”, como diria Pedro Demo, o qual nos fala que “a acumulação de reformas neste teor (co-gestão) colabora no amadurecimento de transformações decisivas a longo prazo”.
Podemos afirmar que não há novidade nesta proposta, na qual entendemos a avaliação como processo e diagnóstica, e que a mesma proporciona o replanejamento da ação pedagógica. Mas podemos também afirmar que através do SEAP e da Reestruturação Curricular o espaço de concretizar uma proposta que há muitos anos se discute no âmbito da educação está posto. São as condições históricas para aqueles que aceitam o desafio, para atuarem com protagonismo.

REFERÊNCIAS
DEMO, Pedro. Avaliação Qualitativa. 9ª ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2008.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 21ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

_____________. Pedagogia do Oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.2008.


HOFFMANN, Jussara. Avaliar para promover: as setas do caminho. Porto Alegre: Mediação, 2009.


SEDUC. Proposta Pedagógica para o Ensino Médio. Porto Alegre, 2011.

SEDUC. SEAP-Sistema Estadual de Avaliação Participativa/ Apresentação. Porto Alegre, 2012.


sábado, 26 de outubro de 2013

Reestruturação Curricular do Ensino Médio: algumas considerações

Alexandra Amaral da Silva
IFFarroupilha- Campus Júlio de Castilhos

Este escrito-reflexão se destina a analisar em que espaço reside as resistências provocadas pela proposta de reestruturação curricular do ensino médio, sendo entendido como um campo em disputa; bem como qual é o raio de atuação da Gestão do Sistema de Ensino que sinaliza as possibilidades de qualificar o ensino público estadual no contexto do novo milênio.
Compartilhamos do pressuposto de que numa pesquisa não há neutralidade axiológica, portanto, observar, refletir e teorizar sobre um objeto de estudo quando se está diretamente vinculado a ele, corre-se o risco de cairmos em determinismos, buscando justificativas que comprovem nossas hipóteses e refutem o contraditório.
Por esta razão, no desejo de aprimorarmos nossa prática gestora, e com a consciência da necessidade de distanciarmo-nos epistemologicamente, para nela nos aproximarmos, optamos em realizar esta análise à luz do enfoque crítico, no qual podemos citar Vitor Henrique Paro e Michael W. Apple, buscando articular à pedagogia progressista a qual temos como um dos principais educadores brasileiros Paulo Freire.
A práxis (ação-reflexão-ação) se constitui, no âmbito da educação, numa postura inexorável, e a partir deste pressuposto que justificamos a escolha (e necessidade) de analisarmos as dificuldades e as possibilidades da gestão frente à reestruturação curricular do ensino médio do RS, constituindo-se como problema a ser equacionado. As problematizações levantadas são resultado de um processo de escuta, visto que foram e estão sendo realizados momentos de formação para implantarmos e implementarmos novo currículo ao ensino médio da escola pública estadual.
Se entendermos a educação como um processo complexo, porque os seres humanos, que o fazem existir, são também complexos na sua dimensão de sujeitos históricos, uma vez que produzem e são produzidos pela cultura e/ou culturas e ideologias, reunindo-se numa organização chamada sociedade, e esta, por sua vez, é influenciada pela educação; nos parece que estamos num círculo, sem conseguir identificar seu início e seu fim. Mas de fato, é a partir deste entendimento que passaremos a admitir que as hipóteses levantadas a respeito das resistências enfrentadas na implementação da proposta de reestruturação curricular não podem ser levianas ou superficiais, ou seja, não se configura num simples “não querer mudar”, situa-se num contexto sócio histórico, que envolve os professores, alienando-os de seu trabalho, obstaculizando a problematização da função social da escola e consequentemente de sua intervenção pedagógica na perspectiva de transformação da realidade.
Portanto, o grande desafio da Gestão do Sistema de Ensino é compreender as razões de determinadas posturas dos professores e, com isto, garantir espaços de formação permanente aos mesmos, subsidiando com aporte teórico-metodológico as discussões sobre os princípios orientadores da proposta, os quais possibilitam um pensar crítico do nosso próprio trabalho.  Freire já nos comunicava que,
É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal modo concreto que quase se confunda com a prática. O seu "distanciamento" epistemológico da prática enquanto objeto de sua análise, deve dela "aproxima-lo" ao máximo. Quanto melhor faça esta operação tanto mais inteligência ganha da prática em análise e maior comunicabilidade exerce em torno da superação da ingenuidade pela rigorosidade. Por outro lado, quanto mais me assumo como estou sendo e percebo a ou as razões de ser de porque estou sendo assim, mais me torno capaz de mudar, de promover-me, no caso, do estado de curiosidade ingênua para o de curiosidade epistemológica. Não é possível a assunção [ato ou efeito de assumir] que o sujeito faz de si numa certa forma de estar sendo sem a disponibilidade para mudar. Para mudar e de cujo processo se faz necessariamente sujeito também" (FREIRE, p.43)


Com esta citação ilustramos que um processo de mudança requer a reflexão de nossa práxis, pois para além de um pensar técnico, nossa prática é também orientada pelas nossas concepções políticas. É a partir da teoria que reorientamos nossa prática, e é sobre o pensar sobre ela que podemos elaborar novas teorias.

A Reestruturação Curricular do Ensino Médio: o caminho percorrido.

A proposta de Reestruturação Curricular do Ensino Médio do Rio Grande do Sul foi emanada da Gestão da Secretaria Estadual, tendo sida apresentada através de um texto base que subsidiaria o debate da 1ª Conferência Estadual do Ensino Médio; seguindo um cronograma de etapas para a conferência que compreendeu o período de setembro de 2011 à dezembro de 2011.
O texto base apresenta-se como o resultado de uma elaboração que considerou o plano de governo, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9394/96, buscando ser uma
contextualização de uma proposta para a educação do século XXI, o qual tem a responsabilidade de oferecer à juventude e ao mundo um novo paradigma, uma mudança estrutural que coloque o Ensino Médio para além da mera continuidade do Ensino Fundamental, instituindo-o efetivamente como etapa final da educação básica.”(DOCUMENTO BASE, 2011)


Assim como, pelo diagnóstico da Rede Estadual de Ensino traduzido pelos índices revelados pelo Censo Escolar da Educação Básica 2010, os quais revelaram que a escolaridade líquida na faixa etária de 15-17 anos era de 53%; que o abandono era de 13% e a reprovação de 21%. Associado à constatação de um currículo fragmentado, dissociado da realidade sócio-histórica, e dos avanços tecnológicos da informação e da comunicação, justifica-se a urgente intervenção nesta realidade, na perspectiva de construir uma nova proposta político-pedagógica, a qual supere a imobilidade da gradeação curricular, a exclusão, priorizando o protagonismo do jovem e efetivando uma identidade para o Ensino Médio.
Os eixos estruturantes para a proposta constituem-se em: Politecnia, Trabalho como princípio educativo, interdisciplinaridade, pesquisa, seminário integrado e avaliação emancipatória.
Sem a intenção de discutir cada um dos eixos, ou analisar teoricamente a proposta, visto que cada um nos renderia no mínimo um artigo, consideramos relevante de forma sintética, expô-los, para situarmos o leitor na concepção que “suleia” a proposta, para com isto focarmos no problema de nossa reflexão: a resistência que observamos ao longo deste período em realizar o debate do conteúdo da proposta.
Neste sentido, explicitaremos algumas falas presentes nas etapas da conferência, que sob nosso ponto de vista foram significativas para dialogarmos com as questões que envolvem a gestão do sistema: “A proposta é autoritária. Recupera a pedagogia tecnicista de formação de mão-de-obra para o mercado de trabalho. O governo só está preocupado em reverter os índices e não de fato com a qualidade do ensino.” Bem, destas três afirmações poderíamos discorrer sobre, no mínimo, três conceitos amplos, complexos e relacionais: autoritarismo, tecnicismo e qualidade. Porém, ratificamos nossa delimitação da análise, sem desconsiderar por completo os elementos subjacentes, mas querendo compreender a resistência na adesão da proposta, que se transforma no desafio para a gestão, sem com isto cairmos na ingenuidade de autodefesa; problematizamo-nos: quais são as atribuições e/ou papel da gestão do sistema de ensino?

Seres humanos e suas relações
Com o intuito de levantar algumas questões que envolvem a nossa condição humana nesta sociedade e no contexto da educação, sem a pretensão de travarmos um debater filosófico, mas sim, e tão somente, identificarmos de que indivíduo estamos nos referindo, para que com algumas acepções possamos seguir nossa reflexão. Sinteticamente podemos definir o ser humano como um animal racional (Aristóteles), constituído pela razão ocidental, a qual tem como fundamento a ciência estruturada e estruturando um pensamento lógico em busca da verdade. O sujeito moderno é este que pensa ter consciência de si e deseja dominar a natureza (e acrescentaria dominar o próprio homem), Nietzsche afirma que a razão ocidental criou um homem que sustenta um modelo idealizado de vida, na qual a cultura – produto de relações de poder- é tida como natureza e a história como verdade; disto resulta a ausência de um pensamento crítico.
Partindo deste pressuposto podemos afirmar que cada de um de nós é produto de processos históricos que delinearam o modo e o modelo de nossas estruturas de pensamento, os quais não são independentes da relação com o outro- ser pensante/racional- com os quais fazemos esta história e constituímos a sociedade; numa relação dialética, complexa e por vezes não consciente de todos os elementos contidos nela, como um deles: a Ideologia hegemônica.
Segundo Apple, “a sociedade como a conhecemos é mantida, em grande parte, em seus aspectos positivos e negativos, por regras implícitas do senso comum e por paradigmas de pensamento, pela hegemonia e também pelo poder.”
E toda esta “engrenagem” é reproduzida pelo processo de escolarização, no qual o currículo configura-se como artefato poderoso da manutenção deste status quo. Ignorar a historicidade/intencionalidade do currículo que “formata” nosso pensamento e comportamento é o resultado de nossa própria formação enquanto sujeitos-educadores.
Todavia, sabemos que a questão é mais profunda do que apresentado até aqui, porém nosso objetivo não é o de aprofundarmos cada um destes conceitos, mas sim de apontarmos um quadro referencial para situarmos o espaço do qual estamos nos referindo.
Neste momento, consideramos relevante abordarmos o contexto histórico, ou seja, nós que somos resultado de movimentos de rupturas e continuidades, vivemos um grande dilema: como colocar a educação/ escola a serviço da democratização da sociedade, a qual é marcada pelas desigualdades sociais- produções do capitalismo, num Estado “criado” para exercer o poder hegemônico?
Vitor Paro é um crítico do Estado, este que historicamente não investiu na educação como um bem público, meio pelo qual as pessoas se emancipam, ao contrário precarizou as relações de trabalho dos docentes, desde a oferta das formações iniciais à desvalorização salarial; mantendo uma orientação de uma educação “bancária”, tão criticada por Paulo Freire. Portanto, a nosso ver, o imaginário dos professores está marcado por esta realidade, porém o aprofundamento teórico se faz necessário, pois quando determinadas forças políticas chegam ao ‘poder’, através do sistema democrático-voto direto, as contradições são indiscutíveis, visto que o “poder” não está contido em um lugar, mas nas relações econômicas e sociais. Não ter claro esta correlação de forças é cairmos na ingenuidade do senso comum, levando-nos a acreditar que todas as mazelas sociais serão resolvidas num curto espaço de tempo (mandato governamental). E entre estas mazelas estão as condições concretas da condição de trabalho dos professores.
Esta constatação, nos leva a crer que este talvez seja um dos primeiros elementos da resistência à adesão da reestruturação curricular. Não debater, refletir, mudar significa negar o Estado; adjetivar a Gestão como autoritária.
Gestão é uma terminologia empregada na educação a partir da reabertura política-democrática, a qual tenta superar o caráter técnico, pautado na hierarquização e controle. A gestão compreende uma essência política e deve ter o foco na preocupação com o pedagógico, neste sentido esta visão e a relação que daí surge é um processo recente, que apresenta contradições, afinal estamos numa estrutura hierarquizada. Logo, o método é mais que forma é conteúdo. Ao propor a conferência para debater o ensino médio, levou-se em consideração este elemento, pois movimentou a rede de forma coletiva, apresentando princípios que dessem conta de problematizarmos a realidade na qual estamos inseridos.
A formação acadêmica inadequada dos professores, constatada por inúmeras pesquisas, e denunciada nos trabalhos de Vitor Paro, o qual afirma que “a concepção de mundo dos docentes não coaduna com os fins da transformação social e da universalização do saber”, constituem-se para nós como o segundo elemento presente neste processo de mudanças. O não domínio epistemológico resulta nas afirmações ouvidas ao longo deste tempo, onde se torna um ato doloroso admitir que a ineficiência da escola também tenha uma parcela de contribuição de cada um de nós.
A universalização do acesso à escola pública, não condiz com a universalização do saber, como um instrumento de emancipação humana, isto comprova-se nos dados de reprovação e abandono, o que nos leva a concluir que a escola está sendo a instituição primeira da legitimação da exclusão social, uma reprodutora do sistema sócio-econômico vigente. Esta lógica precisa ser invertida, e ela está permanentemente atravessada pela dialética freireana: “se a educação sozinha não pode transformar a sociedade, tampouco sem ela a sociedade muda”.
À guisa de conclusão
Como fragilidade podemos expor a não pretensão de discorrer e pormenorizar cada um dos elementos-conceitos surgidos nesta breve reflexão, mas minimamente compreender que existem elementos históricos, sociais, culturais, políticos e econômicos que nos constituem enquanto sujeitos no mundo, e estes delineiam nossas posturas.
Parece-nos que há um consenso neste movimento, a educação precisa de investimentos e a escola tradicional está fadada ao fracasso. Portanto, mesmo permeado de contradições, o processo de mudança desencadeado pela gestão do sistema de ensino, quando propõe a problematização do currículo é uma atitude não autoritária, mas legítima dentro do Estado de Direito. Com vistas à construção de uma “educação do futuro” perante as exigências do novo milênio a palavra-chave é: re-aprender a aprender.
A desacomodação gera resistências, que devem ser compreendidas pelo gestor, porém não se tornando o limite para os avanços e superações. Consideramos que um grande desafio é proporcionar e criar as condições necessárias e concretas para que o conjunto dos sujeitos da educação aproprie-se do conhecimento, através da formação continuada e permanente, reformulando conceitos, e mais que constatando realidades, elevar suas consciências a patamares de atuação política-pedagógica, garantindo um ensino público de qualidade, que segundo Paro, passa por mudar métodos e conteúdos, ou seja, por uma reestruturação curricular.
E por fim podemos afirmar que ter na proposta o Trabalho como princípio educativo significa levar os docentes a refletirem suas próprias condições, reconhecendo-o como responsável pela formação humana e pela constituição da sociedade. Há um longo caminho pela frente, pois mudanças paradigmáticas não resultam de movimentos desprovidos de conflitos, mas, sobretudo de disposição, e mais uma vez invocando a pedagogia freireana, “é caminhando que se faz o caminho!”

REFERÊNCIAS
APPEL, Michel W. Ideologia e Currículo. Tradução de Vinícius Figueira. 3ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 21ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
_____________. Pedagogia do Oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.


MOSÉ, Viviane. O homem que sabe: do homo sapiens à crise da razão. 4ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.


PARO, Vitor Henrique. Gestão Democrática da Escola Pública. 3ª ed. São Paulo: Ática, 2008.



SEDUC. Proposta Pedagógica para o Ensino Médio. Porto Alegre, 2011.

domingo, 13 de outubro de 2013

Uma outra escola é possível!

Por muito tempo acreditei que a escola era o único espaço de construção do conhecimento, mas ao longo da caminhada, a partir de leituras e experiências, me propus a iniciar um processo de desconstrução, primeiro, porque precisamos rever os desenhos em nosso imaginário sobre o que é a escola, segundo, porque se faz necessário redimensionarmos nossa concepção de conhecimento.
 “Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas”, Rubem Alves. Essa metáfora nos anuncia a escola comprometida com a vida e a formação integral do sujeito, ao mesmo tempo em que faz a denúncia do sistema educacional vigente. Somos em grande parte estes pássaros engaiolados, os quais conheceram os limites das grades de um espaço reduzido, acreditando que este é o único lugar possível de existir. E que ingerimos somente o alimento que nos dispunham, nem imaginando como seria buscar nosso próprio alimento na imensidão da natureza.
Aproprio-me da forma poética de Rubem Alves não para romancear a concepção de Educação, ou desconsiderar as condições (ou falta de) concretas em que se produzem os processos educativos, ou que estes sejam desprovidos de tensões, conflitos e disputas. Mas para provocar um novo olhar sobre velhos dilemas. Ainda creio que a escola é uma instituição indispensável, e que possui uma função social, mas a organização curricular que perdura há séculos, fundamentado a partir do racionalismo positivista-empirista, não privilegia a construção de conhecimento com vistas à emancipação humana e capacidade de intervenção sobre a realidade. Isto porque a ideologia hegemônica exerce ainda grande poder sobre as estruturas educacionais.
Repensar a escola requer pensar sobre o sistema econômico e político, discutir sobre políticas públicas, em síntese, ter claro qual o projeto de sociedade que nos mobiliza. Neste sentido, podemos nos subsidiar em Appel, o qual reflete sobre os efeitos do neoliberalismo e neoconservadorismo sobre a Educação, ou em Edgar Morin, um pós-crítico que nos problematiza com os conceitos de complexidade, Era Planetária e transdisciplinariedade.

Dialogar com diferentes abordagens teóricas para (re) inventar a escola, configura-se talvez no desafio daqueles que buscam superar os conceitos tidos como verdades absolutas. Por isto ao invés de utilizar as expressões “escola ideal” ou “escola dos sonhos”, prefiro a expressão “uma outra escola é possível”, na qual seus sujeitos exercitem a democracia participativa; em que a pesquisa, a interdisciplinaridade sejam princípios metodológicos e epistemológicos do projeto educativo, no qual os processos valham mais que os resultados,  que a  construção da autonomia seja meta; que a potencialidade das crianças e jovens sejam consideradas, e que estes conquistem de fato, o instrumentos necessário para intervir na realidade: o conhecimento!

Sobre Igualdade e Diferenças no processo educacional


Estas duas imagens há algum tempo veem sendo compartilhada nas redes sociais por muitas pessoas, creio que, com o intuito de problematizar nossas concepções e práticas sociais/educacionais, as quais merecem algumas considerações.
É importante compreender que nossas concepções de homem/mulher, de mundo, de sociedade, não se configuram como um simples conjunto de opiniões ou ideias natas, mas, como resultado de processos políticos e sociais.
Portanto, como educadores, talvez mais do que qualquer outra pessoa ou profissional, precisamos refletir sobre a “genealogia de nossos pensamentos”.
Atualmente, se propuséssemos um debate entre professores a partir da primeira imagem, a qual nos remete à discussão sobre avaliação, suponho que, sem exceção, concordariam que ela não revela uma situação de justiça. Contudo, se fossemos observar o cotidiano de uma escola, constataríamos que, com raras exceções, os professores continuam a avaliar seus alunos através de instrumentos padronizados.
Assim seria semelhante se debatêssemos a segunda imagem, o que neste caso nos conduziria para reflexões a cerca das práticas didático-pedagógicas; creio que todos discorreriam sobre a importância de considerar as diferenças existentes num ambiente de aprendizagem, porém, ainda constatamos aulas expositivas, focadas na lista de conteúdos com tempos definidos.
A pergunta que necessita de respostas: onde reside a contradição, por que insistimos em manter o status quo? Podemos tecer inúmeras hipóteses, mas entre elas arrisco afirmar que o problema é que o currículo escolar está organizado para que as práticas pedagógicas sejam centradas no ensino e não na aprendizagem.
Nesse sentido, é também importante registrar que nós professores, somos fruto da escola de massa, nascida na revolução industrial, mas que chegou ao século XXI quase que intacta. No caso brasileiro, temos como marco a reforma educacional da década de 70, a qual instituiu um currículo fragmentado, utilitarista e excludente. Portanto, também fomos e somos influenciados pela ideologia dominante.
Logo, é urgente (re) pensarmos nosso entendimento sobre a aprendizagem, sobre a dimensão do conceito de equidade, sobre nossa concepção de educação, sobre a função social da escola, sobre o sentido de nosso próprio trabalho, pois é ele (o trabalho) segundo Marx que produz a vida humana, pois é a primeira mediação entre o homem e a realidade material e social.
Nós professores que temos como objeto de trabalho a construção do conhecimento, apesar de constituídos também por processos alienantes, possuímos o dever de ir além do senso comum, de desconstruir paradigmas e superarmos o currículo ideologizado.
Sintetizo o grande desafio dos educadores do século XXI numa frase de Boaventura e que traduzem as duas imagens trazidas para a reflexão: “Lutar pela igualdade sempre que as diferenças nos discriminem lutar pelas diferenças sempre que a igualdade nos descaracterize”.