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quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Avaliação Institucional e Avaliação da Aprendizagem: outros olhares

Alexandra Amaral da Silva


Este texto busca refletir sobre a Avaliação no contexto educacional, abordando duas dimensões dos processos avaliativos, que são: a Avaliação Institucional e a Avaliação da Aprendizagem.  Focaremos nossas reflexões em duas políticas que estão norteando as mudanças no Sistema de Ensino do Rio Grande do Sul, que são: o SEAP- Sistema Estadual de Avaliação Participativa e a Avaliação Emancipatória, um dos princípios norteadores da Reestruturação Curricular do Ensino Médio.
Apresentaremos os marcos conceituais e legais que sustentam as propostas, bem como os elementos comuns desta concepção que se pretende ser articuladora de um projeto de educação que supere a ideia excludente e fragmentada que ainda está presente nos ambientes escolares. Como a avaliação institucional contribui para a mudança de concepção em relação à avaliação da aprendizagem? Será a problemática a ser refletida.

Avaliação Institucional: o caminho percorrido.

O Sistema Estadual de Avaliação Participativa – SEAP/RS foi instituído pela Gestão da Secretaria Estadual, por meio do Decreto nº 48.744, de 28 de dezembro de 2011; o qual através de uma plataforma se apresenta com seis dimensões, cinquenta indicadores e respectivos descritores, para que as escolas, CREs- Coordenadorias Regionais de Educação e SEDUC- Secretaria Estadual de Educação realizem, anualmente, reflexão e análise das ações e condições desenvolvidas para a garantia do processo de ensino-aprendizagem na Rede de Ensino.
O SEAP é também uma exigência legal, ou seja, a Resolução nº 4/2010 do Conselho Nacional de Educação (CNE), a qual estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, no inciso II do art. 46, trata especificamente da avaliação no ambiente educacional:
Art. 46. A avaliação no ambiente educacional Compreende 3 (três) dimensões básicas:
I - avaliação da aprendizagem;
II - avaliação institucional interna e externa;
III - avaliação de redes de Educação Básica.


A mesma resolução em artigos posteriores detalha:
Art. 52.  A avaliação institucional interna deve ser prevista no projeto político-pedagógico e detalhada no plano de gestão, realizada anualmente, levando em consideração as orientações contidas na regulamentação vigente, para rever o conjunto de objetivos e metas a serem concretizados, mediante ação dos diversos segmentos da comunidade educativa, o que pressupõe delimitação de indicadores compatíveis com a missão da escola, além de clareza quanto ao que seja qualidade social da aprendizagem e da escola.
Seção IV
Avaliação de redes de Educação Básica
Art. 53. A avaliação de redes de Educação Básica ocorre periodicamente, é realizada por órgãos externos à escola e engloba os resultados da avaliação institucional, sendo que os resultados dessa avaliação sinalizam para a sociedade se a escola apresenta qualidade suficiente para continuar funcionando como está.



Sendo assim o que observávamos até então é que na rede de ensino estadual havia somente a avaliação externa, a qual se utiliza de instrumento padronizado a ser aplicado junto aos alunos, verificando suas aprendizagens e aferindo resultados a todo um sistema de ensino. Foi contrariando esta lógica que o SEAP foi implantado, no documento orientador diz que:
Implantar o SEAP [...] significa concretizar um processo que reafirma a avaliação como um instrumento importante para explicitar o processos internos que ocorrem em cada instância, como o objetivo de diagnosticar quali e quantitativamente a Rede Estadual de Ensino e qualificar a gestão, aprofundando o controle público com inovação, participação e transversalidade.


As dimensões que constituem o instrumento são: Gestão Institucional, Espaço Físico da Instituição, Organização e Ambiente de Trabalho, Políticas de Acesso, Permanência e Sucesso na Escola, Formação dos Profissionais e Práticas Pedagógicas. Os indicadores são adequados em relação ao âmbito, ou seja, são diferenciados para a escola, CRE e SEDUC.
Um dos elementos significativos deste processo é a participação, ou seja, todos os segmentos da comunidade escolar são convidados a contribuírem nesta vivência, o que a nosso ver, fortalece o que há muito se tem teorizado e incentivado: a democratização da gestão. Esse compromisso coletivo é capaz de provocar uma reflexão e             análise do fazer pedagógico para reorganizar e ressignificar a prática escolar, estabelecendo novas ações que promovam uma cultura pedagógica comprometida com a aprendizagem de todos com qualidade social.
Sem a intenção de discutir cada uma das dimensões, ou analisar o instrumento propriamente dito, visto que cada uma proporcionaria no mínimo um artigo, consideramos relevante de forma sintética, expô-las, para situarmos o leitor na concepção que “suleia” a proposta, para com isto focarmos no problema de nossa reflexão: os elementos deste processo que desencadeiam outra concepção de avaliação da aprendizagem, uma vez que redimensiona o próprio Planejamento da Gestão e/ou o Projeto Político Pedagógico da Escola.
Nesta perspectiva, entendemos que o SEAP configura-se como uma avaliação qualitativa, segundo Pedro Demo:
O que está em jogo na avaliação qualitativa é principalmente a qualidade política, ou seja, a arte da comunidade autogerir-se, a criatividade cultural que demonstra em sua história e espera para o futuro, a capacidade de inventar seu espaço, forjando sua autodefinição, sua autodeterminação, sua autopromoção, dentro dos condicionamentos objetivos.

Com isto, queremos dizer que, uma avaliação participativa tem um caráter de tornar a instituição escolar cada vez mais comunitária, fazendo dos sujeitos que a constroem cidadãos críticos, ao mesmo tempo em que veem na instituição o espaço de concretizar projetos que podem e devem a transcender.

Avaliação Emancipatória
“Devemos lutar pela igualdade sempre que a diferença nos inferioriza, mas devemos lutar pela diferença sempre que a igualdade nos descaracteriza”
Boaventura de Souza Santos

A avaliação emancipatória, um dos princípios norteadores da Reestruturação Curricular do Ensino Médio do Rio Grande do Sul, configura-se como uma reafirmação de práticas democráticas em todas as instâncias e dimensões educacionais, uma vez que a aprendizagem destas práticas também ocorre neste processo de desenvolvimento humano que se dá no espaço escolar, aprendizagem indispensável para o exercício da cidadania. Carrega em sua essência o desejo de superar o viés positivista e classificatório das práticas avaliativas.
Partindo deste pressuposto podemos afirmar que existe em curso uma mudança de paradigma, ou seja, a avaliação escolar praticada desde o surgimento da sociedade industrial, a qual é tida como um instrumento autoritário do exercício do poder, que possui a função de controlar, classificar e selecionar; está sendo problematizada, questionada, visto que, comprovadamente, não contribui para a formação de sujeitos autônomos e críticos.
Porém, a complexidade que envolve esta temática merece reflexões acerca da gênese da escola, de sua função social, das condições subjetivas (valores, representações, preconceitos, visão de mundo) e objetivas (ritos, práticas, legislações) dos professores; somente este entendimento nos dará condições de superarmos a lógica simplista de apenas nos questionarmos sobre “como avaliar”.
Para promover uma avaliação emancipatória, necessitamos, sobretudo, nos questionarmos sobre a concepção de ensino e de aprendizagem que possuímos. Por isto, concordamos com Freire quando ele afirma que (...) ensinar não é transferir conhecimentos, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou sua construção.
Compreendendo esta premissa, passaremos a valorizar os processos e não os fins, ou seja, se nosso foco estiver centrado na construção de conhecimentos, a prática pedagógica não se limitará a “passar conteúdos” e ao final de um período constatar o quanto os alunos o assimilaram; ao contrário, nossa prática estará vinculada à apreensão de conceitos, nas diferentes áreas do conhecimento, necessários para intervir na realidade imediata, e a avaliação será parte contínua como instrumento diagnóstica e não classificatória.
Vale registrar o que a Resolução nº 4/2010 do CNE preconiza:
Art. 47. A avaliação da aprendizagem baseia-se na concepção de educação que norteia a relação professor-estudante-conhecimento-vida em movimento, devendo ser um ato reflexo de reconstrução da prática pedagógica avaliativa, premissa básica   e   fundamental  para   se questionar o educar, transformando a mudança em ato, acima de tudo, político.
§ 1º A validade da avaliação, na sua função diagnóstica, liga-se à aprendizagem, possibilitando o aprendiz a recriar, refazer o que aprendeu, criar,  propor e,  nesse contexto, aponta para uma avaliação global, que vai além do aspecto quantitativo, porque identifica o desenvolvimento   da   autonomia   do   estudante,   que   é   indissociavelmente   ético,   social, intelectual


Podemos observar que a legislação vigente no que tange a avaliação, contribui para as unidades escolares se empenharem em novas práticas, não só avaliativas, mas também, didático-metodológicas. Assim, é possível instituirmos nova ética na avaliação, priorizando a consciência crítica, a autocrítica, o autoconhecimento, investindo na autonomia, autoria, protagonismo e emancipação dos sujeitos - viabiliza ao educando apropriar-se do seu processo de aprendizagem e, ao professor e à escola, a análise aprofundada do processo dos alunos, oportuniza replanejamento e reorientação de atividades.

Uma prática avaliativa direcionada ao futuro, diferentemente, não tem por objetivo reunir informações para justificar ou explicar uma etapa da aprendizagem, mas para acompanhar com atenção e seriedade todas as etapas vividas pelo estudante para ajustar, no decorrer do todo o processo, estratégias pedagógicas. Visa, portanto, ao encaminhamento de alternativas de solução e melhoria do “objeto avaliado”. (HOFFMANN, 2009, p.20)

Revisitar nossas concepções de mundo, de homem, de processos é necessário na medida em que desejamos optar pela promoção do sujeito-estudante.

Os elementos da interseção
Ao pensar sobre a avaliação institucional e a avaliação da aprendizagem e de que forma a primeira influencia na segunda, fomos conduzido a estabelecer os elementos comuns destas duas dimensões dos processos avaliativos.
Seguindo o raciocínio de que a avaliação é parte do nosso pensar a atividade humana, e que se constitui como um processo intencional, no qual as diversas ciências auxiliam, ela se aplica a qualquer prática. Logo, a aprendizagem encontra-se neste núcleo comum, assim como o (re) planejamento constante.
Suscintamente, afirmamos que refletir é também avaliar, e avaliar é também planejar, estabelecer objetivos, metas, critérios que estejam sempre subordinados às finalidades e objetivos previamente estabelecidos para qualquer prática, seja ela educativa, social, política ou outra.
A qualidade da educação pública, em especial, será alcançada na medida em que a participação seja também o elemento central de uma avaliação que se deseja qualitativa, haja vista que é “fazendo que se aprende”, e aprendendo, redimensionamos nossas próximas práticas.
Estamos convencidos de que desencadear na rede de ensino uma nova cultura de compartilhamento de visões através do SEAP, terá desdobramentos na concepção que todos, sejam educadores/professores ou não, obterão do que é e para quê se avalia. Significa inverter o foco, que antes estava voltado à negação/exclusão/reprovação, para a possibilidade/inclusão/promoção/qualificação.

Parece-nos que há um consenso neste movimento, a educação precisa de mudanças profundas, pois está comprovado a falibilidade das práticas avaliativas tradicionais e conservadoras. Portanto, mesmo permeado de contradições, o processo de mudança desencadeado pela gestão do sistema de ensino, quando propõe a problematização da concepção de avaliação e constrói instrumentos próprios, realiza uma reestruturação de “relevância histórica”, como diria Pedro Demo, o qual nos fala que “a acumulação de reformas neste teor (co-gestão) colabora no amadurecimento de transformações decisivas a longo prazo”.
Podemos afirmar que não há novidade nesta proposta, na qual entendemos a avaliação como processo e diagnóstica, e que a mesma proporciona o replanejamento da ação pedagógica. Mas podemos também afirmar que através do SEAP e da Reestruturação Curricular o espaço de concretizar uma proposta que há muitos anos se discute no âmbito da educação está posto. São as condições históricas para aqueles que aceitam o desafio, para atuarem com protagonismo.

REFERÊNCIAS
DEMO, Pedro. Avaliação Qualitativa. 9ª ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2008.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 21ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

_____________. Pedagogia do Oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.2008.


HOFFMANN, Jussara. Avaliar para promover: as setas do caminho. Porto Alegre: Mediação, 2009.


SEDUC. Proposta Pedagógica para o Ensino Médio. Porto Alegre, 2011.

SEDUC. SEAP-Sistema Estadual de Avaliação Participativa/ Apresentação. Porto Alegre, 2012.