Alexandra Amaral
da Silva
Este texto busca
refletir sobre a Avaliação no contexto educacional, abordando duas dimensões
dos processos avaliativos, que são: a Avaliação Institucional e a Avaliação da
Aprendizagem. Focaremos nossas reflexões
em duas políticas que estão norteando as mudanças no Sistema de Ensino do Rio
Grande do Sul, que são: o SEAP- Sistema Estadual de Avaliação Participativa e a
Avaliação Emancipatória, um dos princípios norteadores da Reestruturação
Curricular do Ensino Médio.
Apresentaremos os
marcos conceituais e legais que sustentam as propostas, bem como os elementos comuns
desta concepção que se pretende ser articuladora de um projeto de educação que
supere a ideia excludente e fragmentada que ainda está presente nos ambientes
escolares. Como a avaliação institucional contribui para a mudança de concepção
em relação à avaliação da aprendizagem? Será a problemática a ser refletida.
Avaliação
Institucional: o caminho percorrido.
O
Sistema Estadual de Avaliação Participativa – SEAP/RS foi instituído pela
Gestão da Secretaria Estadual, por meio do Decreto nº 48.744, de 28 de dezembro
de 2011; o qual através de uma plataforma se apresenta com seis dimensões,
cinquenta indicadores e respectivos descritores, para que as escolas, CREs-
Coordenadorias Regionais de Educação e SEDUC- Secretaria Estadual de Educação
realizem, anualmente, reflexão e análise das ações e condições desenvolvidas
para a garantia do processo de ensino-aprendizagem na Rede de Ensino.
O
SEAP é também uma exigência legal, ou seja, a Resolução nº 4/2010 do Conselho
Nacional de Educação (CNE), a qual estabelece as Diretrizes Curriculares
Nacionais da Educação Básica, no inciso II do art. 46, trata especificamente da
avaliação no ambiente educacional:
Art. 46. A
avaliação no ambiente educacional Compreende 3 (três) dimensões básicas:
I - avaliação da
aprendizagem;
II - avaliação
institucional interna e externa;
III - avaliação
de redes de Educação Básica.
A
mesma resolução em artigos posteriores detalha:
Art. 52. A avaliação institucional interna deve ser prevista
no projeto político-pedagógico e detalhada no plano de gestão, realizada
anualmente, levando em consideração as orientações contidas na regulamentação
vigente, para rever o conjunto de objetivos e metas a serem concretizados,
mediante ação dos diversos segmentos da comunidade educativa, o que pressupõe
delimitação de indicadores compatíveis com a missão da escola, além de clareza
quanto ao que seja qualidade social da aprendizagem e da escola.
Seção IV
Avaliação de
redes de Educação Básica
Art. 53. A
avaliação de redes de Educação Básica ocorre periodicamente, é realizada por
órgãos externos à escola e engloba os resultados da avaliação institucional,
sendo que os resultados dessa avaliação sinalizam para a sociedade se a escola
apresenta qualidade suficiente para continuar funcionando como está.
Sendo
assim o que observávamos até então é que na rede de ensino estadual havia
somente a avaliação externa, a qual se utiliza de instrumento padronizado a ser
aplicado junto aos alunos, verificando suas aprendizagens e aferindo resultados
a todo um sistema de ensino. Foi contrariando esta lógica que o SEAP foi
implantado, no documento orientador diz que:
Implantar o SEAP
[...] significa concretizar um processo que reafirma a avaliação como um
instrumento importante para explicitar o processos internos que ocorrem em cada
instância, como o objetivo de diagnosticar quali e quantitativamente a Rede
Estadual de Ensino e qualificar a gestão, aprofundando o controle público com
inovação, participação e transversalidade.
As
dimensões que constituem o instrumento são: Gestão Institucional, Espaço Físico
da Instituição, Organização e Ambiente de Trabalho, Políticas de Acesso,
Permanência e Sucesso na Escola, Formação dos Profissionais e Práticas
Pedagógicas. Os indicadores são adequados em relação ao âmbito, ou seja, são
diferenciados para a escola, CRE e SEDUC.
Um
dos elementos significativos deste processo é a participação, ou seja, todos os
segmentos da comunidade escolar são convidados a contribuírem nesta vivência, o
que a nosso ver, fortalece o que há muito se tem teorizado e incentivado: a
democratização da gestão. Esse compromisso coletivo é capaz de provocar uma
reflexão e análise do fazer
pedagógico para reorganizar e ressignificar a prática escolar, estabelecendo
novas ações que promovam uma cultura pedagógica comprometida com a aprendizagem
de todos com qualidade social.
Sem
a intenção de discutir cada uma das dimensões, ou analisar o instrumento
propriamente dito, visto que cada uma proporcionaria no mínimo um artigo,
consideramos relevante de forma sintética, expô-las, para situarmos o leitor na
concepção que “suleia” a proposta, para com isto focarmos no problema de nossa
reflexão: os elementos deste processo que desencadeiam outra concepção de
avaliação da aprendizagem, uma vez que redimensiona o próprio Planejamento da
Gestão e/ou o Projeto Político Pedagógico da Escola.
Nesta
perspectiva, entendemos que o SEAP configura-se como uma avaliação qualitativa,
segundo Pedro Demo:
O que está em
jogo na avaliação qualitativa é principalmente a qualidade política, ou seja, a
arte da comunidade autogerir-se, a criatividade cultural que demonstra em sua
história e espera para o futuro, a capacidade de inventar seu espaço, forjando
sua autodefinição, sua autodeterminação, sua autopromoção, dentro dos condicionamentos
objetivos.
Com
isto, queremos dizer que, uma avaliação participativa tem um caráter de tornar
a instituição escolar cada vez mais comunitária, fazendo dos sujeitos que a
constroem cidadãos críticos, ao mesmo tempo em que veem na instituição o espaço
de concretizar projetos que podem e devem a transcender.
Avaliação Emancipatória
“Devemos lutar pela igualdade sempre que a diferença
nos inferioriza, mas devemos lutar pela diferença sempre que a igualdade nos
descaracteriza”
Boaventura de Souza Santos
A
avaliação emancipatória, um dos princípios norteadores da Reestruturação
Curricular do Ensino Médio do Rio Grande do Sul, configura-se como uma
reafirmação de práticas democráticas em todas as instâncias e dimensões
educacionais, uma vez que a aprendizagem destas práticas também ocorre neste
processo de desenvolvimento humano que se dá no espaço escolar, aprendizagem
indispensável para o exercício da cidadania. Carrega em sua essência o desejo
de superar o viés positivista e classificatório das práticas avaliativas.
Partindo
deste pressuposto podemos afirmar que existe em curso uma mudança de paradigma,
ou seja, a avaliação escolar praticada desde o surgimento da sociedade
industrial, a qual é tida como um instrumento autoritário do exercício do
poder, que possui a função de controlar, classificar e selecionar; está sendo
problematizada, questionada, visto que, comprovadamente, não contribui para a
formação de sujeitos autônomos e críticos.
Porém,
a complexidade que envolve esta temática merece reflexões acerca da gênese da
escola, de sua função social, das condições subjetivas (valores,
representações, preconceitos, visão de mundo) e objetivas (ritos, práticas,
legislações) dos professores; somente este entendimento nos dará condições de
superarmos a lógica simplista de apenas nos questionarmos sobre “como avaliar”.
Para
promover uma avaliação emancipatória, necessitamos, sobretudo, nos
questionarmos sobre a concepção de ensino e de aprendizagem que possuímos. Por
isto, concordamos com Freire quando ele afirma que (...) ensinar não é transferir conhecimentos, mas criar as possibilidades
para a sua própria produção ou sua construção.
Compreendendo
esta premissa, passaremos a valorizar os processos e não os fins, ou seja, se
nosso foco estiver centrado na construção de conhecimentos, a prática
pedagógica não se limitará a “passar conteúdos” e ao final de um período constatar
o quanto os alunos o assimilaram; ao contrário, nossa prática estará vinculada à
apreensão de conceitos, nas diferentes áreas do conhecimento, necessários para
intervir na realidade imediata, e a avaliação será parte contínua como
instrumento diagnóstica e não classificatória.
Vale
registrar o que a Resolução nº 4/2010 do CNE preconiza:
Art. 47. A
avaliação da aprendizagem baseia-se na concepção de educação que norteia a
relação professor-estudante-conhecimento-vida em movimento, devendo ser um ato
reflexo de reconstrução da prática pedagógica avaliativa, premissa básica e
fundamental para se questionar o educar, transformando a mudança
em ato, acima de tudo, político.
§ 1º A validade
da avaliação, na sua função diagnóstica, liga-se à aprendizagem, possibilitando
o aprendiz a recriar, refazer o que aprendeu, criar, propor e,
nesse contexto, aponta para uma avaliação global, que vai além do
aspecto quantitativo, porque identifica o desenvolvimento da
autonomia do estudante,
que é indissociavelmente ético,
social, intelectual
Podemos observar que a
legislação vigente no que tange a avaliação, contribui para as unidades
escolares se empenharem em novas práticas, não só avaliativas, mas também,
didático-metodológicas. Assim, é possível instituirmos nova ética na avaliação,
priorizando a consciência crítica, a autocrítica, o autoconhecimento,
investindo na autonomia, autoria, protagonismo e emancipação dos sujeitos -
viabiliza ao educando apropriar-se do seu processo de aprendizagem e, ao
professor e à escola, a análise aprofundada do processo dos alunos, oportuniza
replanejamento e reorientação de atividades.
Uma prática
avaliativa direcionada ao futuro, diferentemente, não tem por objetivo reunir
informações para justificar ou explicar uma etapa da aprendizagem, mas para
acompanhar com atenção e seriedade todas as etapas vividas pelo estudante para
ajustar, no decorrer do todo o processo, estratégias pedagógicas. Visa,
portanto, ao encaminhamento de alternativas de solução e melhoria do “objeto
avaliado”. (HOFFMANN, 2009, p.20)
Revisitar nossas
concepções de mundo, de homem, de processos é necessário na medida em que
desejamos optar pela promoção do sujeito-estudante.
Os elementos da
interseção
Ao pensar sobre a avaliação institucional e a avaliação da
aprendizagem e de que forma a primeira influencia na segunda, fomos conduzido a
estabelecer os elementos comuns destas duas dimensões dos processos
avaliativos.
Seguindo o raciocínio de que a avaliação é parte do nosso pensar a
atividade humana, e que se constitui como um processo intencional, no qual as
diversas ciências auxiliam, ela se aplica a qualquer prática. Logo, a
aprendizagem encontra-se neste núcleo comum, assim como o (re) planejamento
constante.
Suscintamente, afirmamos que refletir é também avaliar, e avaliar
é também planejar, estabelecer objetivos, metas, critérios que estejam sempre
subordinados às finalidades e objetivos previamente estabelecidos para qualquer
prática, seja ela educativa, social, política ou outra.
A qualidade da educação pública, em especial, será alcançada na
medida em que a participação seja também o elemento central de uma avaliação que
se deseja qualitativa, haja vista que é “fazendo que se aprende”, e aprendendo,
redimensionamos nossas próximas práticas.
Estamos convencidos de que desencadear na rede de ensino uma nova
cultura de compartilhamento de visões através do SEAP, terá desdobramentos na concepção
que todos, sejam educadores/professores ou não, obterão do que é e para quê se
avalia. Significa inverter o foco, que antes estava voltado à
negação/exclusão/reprovação, para a
possibilidade/inclusão/promoção/qualificação.
Parece-nos que há um consenso neste movimento, a educação precisa
de mudanças profundas, pois está comprovado a falibilidade das práticas
avaliativas tradicionais e conservadoras. Portanto, mesmo permeado de
contradições, o processo de mudança desencadeado pela gestão do sistema de
ensino, quando propõe a problematização da concepção de avaliação e constrói
instrumentos próprios, realiza uma reestruturação de “relevância histórica”,
como diria Pedro Demo, o qual nos fala que “a acumulação de reformas neste teor
(co-gestão) colabora no amadurecimento de transformações decisivas a longo
prazo”.
Podemos afirmar que não há novidade nesta proposta, na qual
entendemos a avaliação como processo e diagnóstica, e que a mesma proporciona o
replanejamento da ação pedagógica. Mas podemos também afirmar que através do
SEAP e da Reestruturação Curricular o espaço de concretizar uma proposta que há
muitos anos se discute no âmbito da educação está posto. São as condições
históricas para aqueles que aceitam o desafio, para atuarem com protagonismo.
REFERÊNCIAS
DEMO, Pedro.
Avaliação Qualitativa. 9ª ed. Campinas,
SP: Autores Associados, 2008.
FREIRE, Paulo.
Pedagogia da Autonomia: saberes
necessários à prática educativa. 21ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
_____________.
Pedagogia do Oprimido. 17ª ed. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1987.2008.
HOFFMANN,
Jussara. Avaliar para promover: as setas
do caminho. Porto Alegre: Mediação, 2009.
SEDUC.
Proposta Pedagógica para o Ensino Médio.
Porto Alegre, 2011.
SEDUC.
SEAP-Sistema Estadual de Avaliação
Participativa/ Apresentação. Porto Alegre, 2012.